Mesmo diante de todas as receitas prontas e melodramáticas que o enredo de Avatar arrasta, há algo ali que escapa à linguagem desgastada dos clichês, promovendo uma certa singularidade, que caracteriza a arte bem sucedida. Não me refiro unicamente às maravilhas surpreendentes da tecnologia visual do longa. Na verdade, talvez seja isso mesmo, mas não num sentido reducionista: a tecnologia em Avatar, a serviço da arte, promove o prazer estético, no sentido primordial da palavra – estética / estesia : sensação do belo, que vai além da beleza formal.
Os Na'vi agindo como se fossem humanos, recordam valores primordiais representados na figura do “Bom Selvagem”, que não possui a subjetividade estilhaçada pós-moderna, mas sim a visão objetiva da Natureza como divindade, à qual consagram sua vida e também à qual estão intimamente conectados. Através dos tentáculos de suas tranças, os Na’vi trazem à tona, metaforicamente, a antiga lição de que somos componentes irrevogáveis de um cosmos, ou melhor, de uma organização, quer seja divina, quer seja biológica. E ainda que isso seja uma idéia que o cinema exauriu, na arte de Avatar, não soou como um clichê arruinado. Talvez se a narrativa fílmica de Avatar fosse desenvolvida através das ações de “atores reais” holliwoodianos, a estesia que evoca nossa humanidade não seria a mesma. O que conta é o componente do maravilhoso e da fantasia promovidos pelas articulações da computação gráfica, movendo no expectador (talvez sendo aqui eminentemente impressionista) um sympathos , “um sentir com” a civilização de Pandora. Não há nada mais dilacerante do que ver a “Árvore das Vozes”, esteticamente exuberante, tombar sobre os Na’vi, que, em decorrência da perversidade melodramática do coronel Miles, perdem parte de seus referenciais mítico-ancestrais.
Usando a extrema tecnologia, dialeticamente, James Cameron provoca em nós, pelo menos ao longo das 2h40min de exibição do filme, a Esperança - único sentimento restante na caixa de Pandora – de restituição do Sagrado, assim como nas civilizações arcaicas “atecnológicas”.
Ass: Leyla