quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O assumido e o equilibrista


Mine Vaganti é um daqueles filmes exibidos em pequenas salas escondidas ou em alguma sessão de festival antes de um outro filme mais esperado. Mas é um filme agradável. A história é sobre dois irmãos gays que tentam revelar suas opções sexuais a família italiana numerosa e tipicamente do interior.

Coomo dito, Antonio e Tommaso são gays. Tommaso revela ao irmão que pretende assumir sua homossexualidade no jantar da família, mas Antonio se antecipa e se declara primeiro, originnando um estado de caos na família e deixando Tommaso em situação de silenciamento para não ferir o já abatido sentimento dos pais. 

O filme consegue equilibrar os dramas sentimentais dos irmãos gays, principalmente de Tommaso, com vários momentos cômicos proporcionados pelo pai, incrédulo, e pelos amigos gays. Um exemplo é que ao mesmo tempo em que os colegas de Tommaso, que foi estudar economia em Roma para tocar os negócios da família, chegam a casa e têm que inutilmente conter os trejeitos homossexuais, ele, Tommaso, tem que lhe dar com seu companheiro, um desses colegas, que não aceita a sua permanecia disfarçada. Bons pontos do filme está na retratação da família italiana, com seus exageros, aparências, dramas e melodramas. É um filme que põe o tema da opção sexual em discussão com doses sutis e equilibradas de humor e seriedade. Atenção especial para a trilha sonora.

O PRIMEIRO QUE DISSE
(Mine Vaganti, Itália, 2010)
Dir. Feznam Ospetek
Estreia: 01/01/2011 - São Paulo

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Velho Testamento Em Um Novo Saramago

Caim, mais recente obra de José Saramago, bem que poderia ser "O Velho Testamento segundo Deus", já que aborda ficcionalmente os primeiros livros da bíblia, aproximando-se do tão conhecido O Evangelho segundo Jesus Cristo. Mas não foi a opção do escritor português.

Em Caim não há a profundidade e seriedade dos eventos, nem o tom humanista dado aos personagens bíblicos como se dá na primeira investida de Saramago sobre as escrituras cristãs. No livro recente, tudo se dá de imediato, de maneira sucinta, o próprio livro é bem reduzido em suas 180 páginas. A ação, outroe xemplo, é bastante enxuta. O leitor em poucas páginas transita da criação para a morte de Abel. Até mesmo as ironias e as críticas às contradições da Bíblia são apontadas objetivamente, em frases diretas, sem rodeios. Recurso estilístico para se aproximar das passagens bíblicas, também de trechos curtos? Intenção de fugir totalmente do fantasma da comparação ineviável com o outro romance? Mesclar tradição e modernidade? Talvez tudo isso, mas acaba não sendo o bastante, pois  aproxima-se do que se pode chamar de simplismo.

Embora, como romance independente, narrativa e linguagem fluam, falta justamente o cárater bíblico da linguagem, aproximar-se mais da atmosfera do Antigo Testamento como o próprio autor já demostrou ser possível de se realizar. Caim não é um livro chato, é humorado e várias das principais características do escritor estão presentes nele. No entanto, o livro é muito simplificado para quem poderia doar-se muito mais.  


Ass. Helber

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

AVATAR: para além da estética formal.




 Mesmo diante de todas as receitas prontas e melodramáticas que o enredo de Avatar arrasta, há algo ali que escapa à linguagem desgastada dos clichês, promovendo uma certa singularidade, que caracteriza a arte bem sucedida. Não me refiro unicamente às maravilhas surpreendentes da tecnologia visual do longa. Na verdade, talvez seja isso mesmo, mas não num sentido reducionista: a tecnologia em Avatar, a serviço da arte, promove o prazer estético, no sentido primordial da palavra – estética / estesia : sensação do belo, que vai além da beleza formal.

Os Na'vi agindo como se fossem humanos, recordam valores primordiais representados na figura do “Bom Selvagem”, que não possui a subjetividade estilhaçada pós-moderna, mas sim a visão objetiva da Natureza como divindade, à qual consagram sua vida e também à qual estão intimamente conectados. Através dos tentáculos de suas tranças, os Na’vi trazem à tona, metaforicamente, a antiga lição de que somos componentes irrevogáveis de um cosmos, ou melhor, de uma organização, quer seja divina, quer seja biológica. E ainda que isso seja uma idéia que o cinema exauriu, na arte de Avatar, não soou como um clichê arruinado. Talvez se a narrativa fílmica de Avatar fosse desenvolvida através das ações de “atores reais” holliwoodianos, a estesia que evoca nossa humanidade não seria a mesma. O que conta é o componente do maravilhoso e da fantasia promovidos pelas articulações da computação gráfica, movendo no expectador (talvez sendo aqui eminentemente impressionista) um sympathos , “um sentir com” a civilização de Pandora. Não há nada mais dilacerante do que ver a “Árvore das Vozes”, esteticamente exuberante, tombar sobre os Na’vi, que, em decorrência da perversidade melodramática do coronel Miles, perdem parte de seus referenciais mítico-ancestrais.

Usando a extrema tecnologia, dialeticamente, James Cameron provoca em nós, pelo menos ao longo das 2h40min de exibição do filme, a Esperança - único sentimento restante na caixa de Pandora – de restituição do Sagrado, assim como nas civilizações arcaicas “atecnológicas”.


Ass: Leyla

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Sonhos de Mulheres: plenitude em Eros

O filme Sonhos de Mulheres (1955) de Ingmar Bergman me parece uma reatualização do mito do ser mulher (“mito” aqui entendido no sentido de histórias que conferem significação à existência humana). Não é preciso discorrer muito para expor sobre o que esse mito nos revela – de que a mulher é, por excelência, fadada às paixões, sobretudo, à “paixão erótica” (de Eros), que vai além da pulsão da libido, uma espécie de afecção da alma que busca a plenitude num outro, objeto de seu amor, de forma que a falta  desse outro torna a vida, por assim dizer, vazia de sentido.

O enredo de Sonhos de Mulheres concentra-se, obviamente, nos desejos e frustrações de duas mulheres: Suzanne, que é uma mulher emancipada e dona de uma oficina de moda bem sucedida, mas vive atormentada pelo amor sem perspectiva dedicado a um homem casado; e Dóris, uma jovem modelo da oficina de Suzanne, aparentemente fútil, que vive aflita com a vida ordinária que leva ao lado do pouco refinado noivo. A ação fílmica inicia-se com uma viagem feita por Suzanne, para realizar uma seção de fotos de sua coleção de moda, cuja modelo representante será Dóris.  Não por acaso, Suzanne escolhe a cidade de seu amante para realizar esse trabalho, uma vez que é movida pelo desejo ardente de revê-lo. Já Dóris vê nessa viagem a possibilidade de fuga do comum, do cotidiano, rumo ao glamour, à plenitude do luxo.  Talvez por isso as ações de Dóris me pareceram menos instigantes, pela conduta fútil e pueril da personagem. 
           

 Voltando ao tema do arrebatamento amoroso, ou melhor, erótico, pelo qual miticamente as mulheres são tomadas, com as ações de Suzanne, Bergman faz valer a afirmativa de que o “termômetro da mulher é o amor”. A maturidade e o discernimento que a personagem parece ter não são suficientes para dissipar a dependência afetiva em relação ao amante. A falta completa de autonomia diante da paixão faz de Suzanne uma heroína trágica. Heroína, porque a mulher que sofre de amor tem sua compensação, já que o amor, de alguma forma, traz a nobreza da entrega. Para os homens, a dor de cotovelo é ridícula, como diz Jabor: “A mulher enganada tem ares de heroína, o homem corno é um palhaço.”

domingo, 3 de janeiro de 2010

As aproximações de Jorge Ben Jor

Fui ver o show de Jorge Ben Jor na praia de Tambaú neste sábado. A oportunidade de presenciar uma apresentação de bons músicos é também uma oportunidade de realizar exames atentos das passagens de sua arte que vão além do evento, tanto em sua amplitude sócio-cultural, quanto nas sutilezas estéticas.

No campo da cultura, além de ser mencionado sempre como um moderno inovador da fusão dos ritmos rock, pop, samba, reagge e o que mais for dançante, a música de Ben Jor é muito bem recepcionada por onde passa. No show, lamentavelmente ele não pode tocar a guitarra (problemas técnicos), mas para o público isso pareceu não fazer grande diferença, já que os embalos sucessivos de suas principais composições fazem com que ninguém precise ficar esperando por "aquela música de sucesso"  no meio das "desconhecidas do CD novo".

Em relação as músicas, há algo em suas letras que obedece uma lógica um tanto curiosa: se prestarmos atenção em seus versos, eles nos levam ao riso e diretamente ao ritmo, à dança. Mas também se não prestarmos atenção, o ritmo e a dança nos convida a aderir refrães inteiros que achamos engraçados mesmo sem saber bem do que se trata. Exemplo? Spyro Gyro. Veja: "Spiro Giro é Spyro Gyro. É um bichinho bonito e verdinho que dá na água". A simplicidade do tema tratada em frase tão corriqueira funciona tão bem como refrão humorado quanto saber que existe uma banda de jazz chamada Spyro Gyra, que combina vários elementos musicais, semelhante a proposta do próprio Jorge Ben. Aliás, misturar uma banda com um "planquitun" em uma letra já é uma combinação no mínimo singular.    



Qualquer semelhança é mera coisa de Ben Jor