segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Provincial Cidade de João Pessoa

Meses atrás, quando a Zizi Possi veio à João Pessoa, no espaço cultural, aventurei-me a ouvi-la contrariando meu hobby de não participar de eventos. Vá lá, o Espaço Cultural é enorme, o show é de graça e termina cedo. Muitos pessoenses foram prestigiá-la naquela noite a ponto da cantora, em pleno palco, parar o show para fotografar várias vezes a plateia, colhendo conteúdo para o seu blog oficial. Na volta do show, eis que me deparo com uma multa no retrovisor do meu carro. Parece irônico e esquizofrênico, mas o Estado da Paraíba promove, supostamente para mim, um evento musical e não dá condições necessárias para que eu o desfrute. 

Mas esta não é a moral da história. A coisa é muito mais profunda. João Pessoa sempre foi uma cidade provinciana. Principalmente em sua agenda cultural: é péssima a programação de cinema, com suas bilheterias comerciais; é péssimo o roteiro de teatro, que espreme, com comédias regionalizadas de mal gosto e as trupes nacionais com atores globais, os poucos que tentam expandir os horizontes deste meio; é péssima a estrutura dos espaços artísticos. Conseguiram, na Festa das Neves deste ano, tornar o belo espaço do Ponto de Cem sufocante. Viram o tamanho do espaço “VIP”, para os organizadores? Absurdo. Viram a forma como montaram os espaços de venda de bebida, formando praticamente muros contra as pessoas? 

O que dá para concluir é que a dita tranquilidade que tanto vendeu pacotes turísticos em João Pessoa virou um tiro pela culatra: o turista agora vem para ficar. O mito de que o desenvolvimento econômico torna nossas vidas melhores é apenas uma falácia de mercado. A cidade vem recebendo centenas de famílias classe média-alta que se amontoaram em novos aranha-céus, que tem tornado caótico os espaços de lazer e que entopem nossas ruas com caros importados, de buzinas prontas para serem usadas na primeira oportunidade. Não culpo os recém cidadãos pessoenses. Sou misantropo, não preconceituoso. 

O que quero dizer é que nossa cidade está mudando muito rapidamente e ninguém consegue se antecipar aos problemas urbanos que estão surgindo e são inevitáveis. E falo isso em todos os âmbitos. O empresário, o governante, o cidadão. Nós, de João Pessoa, olhamos para Recife e Natal com pavor, da violência, dos preços, mas não adotamos nenhuma medida para mostrar que podemos fazer diferentes. Nunca vi tanta criança dormindo no chão do centro da cidade. Enquanto isso, aguardamos, impotentes, omissos, o mito do desenvolvimento nos tornar infelizes.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Misantropia Cultural

Não sou poeta, não sou escritor, não sou crítico. Apenas preciso estar em contato com a escrita, um mero cooper para o cérebro. Gosto da escrita, não de escitores. Gosto de cinema, não de diretores ou atores. Gosto de música, odeio shows. Às vezes tenho a sensação que vou para alguns shows ou empurrado pela minha mulher ou para ter certeza de que nada substitui um Cd criativo e bem produzido. Salvo algumas exceções, como o show de Maria Bethania, no início do ano, ou alguma expressão da cultura popular em seu real contexto, prefiro ouvir música no meu sofá, em casa. Se num estúdio, um cantor tem a oportunidade de gravar um milhão de vezes até achar o ponto certo, uma música ao vivo irá funcionar quase apenas para fãs. Nada contra quem gosta de música ao vivo, de aura benjaminiana, apenas prefiro o conforto de casa, a qualidade do estúdio e a oportunidade de repetir uma música sem ficar implorando por bis, coisa que nem sei se existe mais nos shows.

Na literatura, se eu encontrasse alguns dos melhores escritores atuais num elevador, trataria eles como trato o desconhecido vizinho do primeiro andar do meu prédio. Baixaria a cabeça ou falaria do tempo. Se Milton Hatoum aparecesse, não perguntaria sobre o complexo narrador de Relato de um Certo Oriente, mandaria apertar o botão do terceiro andar. Se Cristovão Tezza aparecesse, não o elogiaria pelo O Filho Eterno, puxaria o celular para ver a hora. Se Verissimo fosse para o meu andar, não mencionaria suas crônicas dominicais no Estado de São Paulo, tomaria a sua frente e sairia antes dele, desprezando sua idade e o barulho que iria fazer com seu sax no meu vizinho. Se ao menos pudesse pegar elevador com Ed Mort, A velhinha de Taubaté ou os jogadores de Poquer interminável... mas não posso. Dificilmente um bom escritor será mais interessante que sua obra, ou menos imaginário em suas conversas sobre literatura do que seus personagens.

É isso. Cada um escolhe seu próprio inimigo. Uns tomam inimigos os artistas B do BBB, outros os artistas A da Acadêmia. Eu escolho qualquer um artista. Meu lema agora é esse: o artista só serve para usa arte. Minha filosofia de vida a partir de agora é a misantropia cultural. Digo isso porque acabo de adquirir um Cd da trilha sonora da Turma do Snoopy, um jazz fino e maravilhoso, com títulos como Linus e Lucy e Why, Charlie Brown. Independente de tudo, pode ser a música dos Marsalis, mas é também a música do Charlie Brown e do Snoopy. E para mim, isso basta.

Ps - Há um tempo penso em manter postagens realmente regulares. Vamos ver se às segundas e sextas funciona.

terça-feira, 28 de junho de 2011

A semana da trindade: Gil, Chico e Bethania

Não é todo dia que podemos falar ao mesmo tempo de trêss grandes nomes da MPB. O primeiro é Gilberto Gil. Nesta noite de São Pedro podemos escolher o Gil do Reagge ou o Gil do Forró. Explico: hoje na cidade (João Pessoa), o Gil se apresenta no Ponto de Cem Réis, provavelmente com o repertório do seu Cd de forró Fé na Festa; paralelamente no mesmo horário, o Canal Brasil apresenta, em celebração aos documentário e show Kaya n´gan daya, obra em que o cantor baiano homenageia Bob Marley. A programação em nome de Gilberto Gil segue ao longo da semana com outros shows e documentários. Os dois CDs, evidentemente, são recomendados, pois são fases primorosas do cantor, basta ouvir as versões de Qui nem Giló e No cry.

A segunda notícia importante da semana diz respeito ao Chico Buarque. Seu site que revela os bastidores de sua produção liberou a música "Querido Diário" como prévia do lançamento do seu novo Cd. Pela quantidade de acessos ao site e tanta compra antecipada da obra, talvez nem fosse necessário tal tipo de 'panfletagem'. No que diz respeito propriamente à música, parece que vai ao encontro de Carioca, com um pouco de teclados e violinos e com letras com linguagem mais objetiva e menos metáforas.



Por fim, é apenas um lembrete do lançamento do box da Maria Bethânia. Estarão juntos os 25 primeiros discos da carreira da cantora. Oportunamente, ao ouvir o primeiro, de 1965, me surpreendi por não reconhecer essa Bethânia de hoje. Há  muito samba no seu primeiro repertório, um samba feliz e saudoso, próximo dos grandes nomes da era de ouro. Espanta apenas a quantidade de música com o eu lírico em voz masculina. Recomendo O X do problema e Mora na filosofia.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O céu de Spielberg em queda


FALLING SKIES
Stiven Spielberg
TNT


Assim como toda arte é feita dentro de um contexto de tradição/ruptura, há hoje nas séries televisivas americanas duas tendências muito bem demarcadas que tem, em grande parte, determinado sua qualidade. Uma é óbvio que é a originalidade. Da trama, dos personagens, das relações humanas. Neste patamar, que agrada crítica e público, podemos citar recentemente Lost, House, Walking dead, Broadwalking Empire e Guerra dos Tronos. Por outro lado, existe aquelas séries que tentam construir sua reputação em cima do sucesso da originalidade das outras. Flashfoward, V, Chicago Code exemplificam como se cria um frankenstein mesclando o que deu certo em outras séries. A mais atual estreou recentemente nos Estados Unidos e, mesmo com o nome de um figurão como Stiven Spielberg, mostra ser mais uma coxa de retalho de clichês. 

Falling Skies é uma série ambientada num mundo devastado por uma invasão alienígena. 80% dos humanos foram dizimados e os que restaram formam resistências, com civis e militares esperançosos da vitória sobre um inimigo muito superior tecnologicamente. Aqui já temos um empréstimo miscelânico: são os aliens de V, as missões impossíveis de 24 horas, a descoberta lenta dos mistérios de um mundo estranho somado a diversidade racial de Lost e a iminência de ataques surpresas dos aliens, semelhante a tensão dos ataques zumbis de Walking dead, assim como é muito similar os jovens que são domados pelos aliens com os mortos-vivos, assim como conflitos entre humanos que aparecem na série dos quadrinhos. Quer mais? Está lá a médica, o pai que resgatará o filho a qualquer preço, o triângulo amoroso envolvendo uma loira e uma morena. E não é que o protagonista não foi recrutado do E.R? Mosaico tão cheio de elementos, querendo agradar vários gostos, a história acaba perdendo em profundidade.

Até que ponto podemos esperar sucesso desta salada? Valeria a pena assistir mais dois ou três episódios para um melhor acabamento e profundidade dos personagens e enredos? É claro que o Spielberg tem crédito. A ideia principal da série também é interessante. Mas o nome de um produtor tão forte e alguns sustos com alienígenas-aranha não salvam histórias fracas Nem é preciso mencionar os clássicos do gênero produzido por Spielber: Taken, Guerra dos Mundos, Inteligência Artificial e o velho e bom E.T. A revista Veja lembrou dos chavões do próprio diretor na série e, como bem lembra uma antiga professora, se tudo é lugar comum de outras séries melhores, porque não ir ao original?

domingo, 10 de abril de 2011

O tempo da serenidade



Em tempos de individualismo exacerbado, de mercado competitivo/acelerado e de intolerância e preconceito cultural, o filme francês Homens e Deuses, baseado em fatos reais, é uma lição de serenidade. O filme foi ganhador do prêmio do júri do Festival de Cannes e indicado pelo seu país ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

No filme, os monges de um mosteiro na Argélia são alvos certos de radicais islâmicos. A decisão de partir é um incógnita para os cristão, já que são o único ponto de apoio humanitário para a população. Por outro lado, os militares pressionam pela retirada dos mesmos, prevendo um problemas com a diplomacia mundial.

O que chama mais atenção no filme é justamente o mais óbvio: o humanismo, a simplicidade e a fé caridosa dos monges. Eles não estão lá para pregar a palavra, nem demarcar espaço do cristianismo. Sua relação com os islâmicos - não-radicais e até mesmo com os radicias - é tenra e verdadeira. O filme é lento, devagar, paciente e tranquilo como a ida dos monges, apto para deixar o espectador refletir dentro do proprio filme antes do enredo aançar mais à frente. Ponto forte também é sua trilha, na voz dos monges ou do Imam.

HOMENS E DEUSES
(Des hommes et des dieux, França, 2010)
Dir. Javier Beauvois
Estreia 25.03.2011

quarta-feira, 6 de abril de 2011

O anti-professor

BREAKING BAD
Com Bryan Cranston e Aaron Paul
AXN



Qual o arquétipo do professor enquanto protagonista que geralmente conhecemos? Fácil. Sempre daquele mestre humanista que mostrar aos seus alunos problemáticos o melhor caminho para a vida digna, pois esse é o real papel do professor. Isto está em desde Sociedade dos poetas mortos a Malhação.

Breaking Bad, em sua terceira temporada nos Eua, é totalmente o inverso de tudo isso. O professor de química Walter White, depois de descobrir que tem câncer, resolve abandonar a vida comportada de bom cidadão americano e, junto com seu ex-aluno e parceiro Jesse Pickman, passa a produzir metanfetaminas com qualidade inequiparável. A partir deste fato, como é de se esperar, White vai se envolvendo e aprendendo, em cada epsódio, como funciona o mundo da crimidalidade e do tráfico.

Os epsódios de Breaking Bad são expressão máxima das séries preocupadas mais com a história do que com a audiência. Ela não priva o telespectador das cenas fortes de drogas nem de violência, e pressa pela continuidade do eredo sem as repetições de peripécias constantes. Além disso, Bryan Cranston está muito bem no papel do professor White. 


Assista os epsódios aqui: Breaking Bad

domingo, 3 de abril de 2011

O Cerco e a Retomada

Com a proximidade da exibição nos cinemas do filme Thor, é bons nos interarmos da situação do universo Marvel. Chega às bancas nesta transição de mês Março/Abril, pela Panini, a mini-série em quatro edições* chamada O Cerco.

Nos últimos anos, Norman Osborn assume o poder das forças bélicas do planeta após ter supostamente sido o responsável pela expulsão dos metamorfos alienígenas Skrulls. Com sua ascensão, os vilões passam a dar as cartas no poder e os hérois como Tony Stark a serem perseguidos. O Cerco contará a investida das forças de Osborn sobre o panteão de Asgard, que se encontra na Terra, e em consequência disso, como os heróis retomarão seus status no mundo.

É importante lembrar que, em termos de qualidade, nos últimos anos, os trabalhos da Marvel em sagas têm superado em muito os da DC. Enquanto nos super-amigos elas continuam caóticas e desconexas - como todo o trabalho de Crise Final e recentemente A Noite Mais Densa - a turma dos Vingadores sempre apresentam sequências aprofundadas e de maior coerência - ver Guerra Civil e Invasão Secreta. Possa ser que muitas vezes o investimento da Marvel nas relações interpessoais deixe um saldo negativo financeiramente, pois a maioria do público ainda dá muita atenção às pancadarias cósmicas. Mas a qualidade narrativa da empresa, comparado principalmente com sua principal concorrente, é um ponto inquestionável.

* A saga se dá em 4 edições, mas há uma edição número zero, o que de certa forma se torna 5 edições.


O CERCO
Brian M. Bendis & Olivier Coipel
Panini Comics, R$ 5,50
(em 5 ediçoes)

Leia a história em seu PC: O CERCO

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Em nome de quê? - Frei Betto

 

"Muitos pais, professores e psicólogos se queixam de que parcela considerável da juventude carece de referências morais. Inúmeros jovens mergulham de cabeça na onda neoliberal de relativização de valores. Tornam público o privado (vide YouTube), são indiferentes à política e à religião, praticam sexo como esporte e, em matéria de valores, preferem os do mercado financeiro.
Sou da geração que fez 20 anos de idade na década de 1960. Geração literalmente inovadora (a Bossa era Nova, o Cinema era Novo etc.), que injetava utopia na veia e se pautava por ideologias altruístas. Queríamos apenas mudar o mundo. Derrubar as ditaduras, a fome e miséria, as desigualdades sociais, o imperialismo e o moralismo.
Em nome do mundo sem opressão, que muitos de nós identificávamos com o socialismo, lutamos pela emancipação da mulher, contra o apartheid e em defesa dos povos indígenas. Sobretudo trouxemos ao centro da roda a questão ecológica.
Já a geração de nossos pais acreditava na indissolubilidade do casamento, na virgindade pré-conjugal como valor, na religião como inspiradora da conduta moral, na prevalência da produção sobre a especulação. Em nome de Deus, as consciências estavam marcadas pelo estigma do pecado.
Todas as gerações têm aspectos positivos e negativos. Se a minha se nutriu de ideologias libertárias, que nela incutiram espírito de sacrifício e solidariedade, a de meus pais acreditou na perene estabilidade das quatro instituições pilares da modernidade: a religião, a família, a escola e o Estado.
Esta geração da primeira metade do século XX não logrou superar o patriarcalismo, o preconceito a quem não lhe era racial e socialmente semelhante, a fé positivista nos benefícios universais da ciência e da tecnologia.
A geração posterior, a da segunda metade do século passado, promoveu a ruptura entre sentimento e sexualidade; idealizou os modelos soviético e chinês de socialismo, com seus gulags e suas “revoluções culturais”; e hoje troca a militância revolucionária pelo direito de ser burguesa sem culpa.
Ora, a crescente autonomia do indivíduo, apregoada pelo neoliberalismo, faz com que muitos jovens se perguntem: em nome de quê devemos aceitar normas morais além das que decido que me convêm? E as adotam convencidos de que elas possuem prazo de validade tão curto quanto  o hambúrguer da esquina.
Se a repressão marcou a geração de meus pais e a revolução (política, sexual, religiosa etc.) a de minha juventude, hoje o estímulo à perversão ameaça os jovens. Respira-se uma cultura de desculpabilização, já que, na travessia do rio, se deu as costas à noção de pecado e ainda não se aportou na interiorização da ética. Parafraseando Dostoiévski, é como se Deus não existisse e, portanto, tudo fosse permitido.
Quem é hoje o enunciador coletivo capaz de ditar, com autoridade, o comportamento moral? A Igreja? A católica certamente não, pois pesquisas comprovam que a maioria de seus fiéis, malgrado proibições oficiais, usa preservativo, não valoriza a virgindade pré-matrimonial e frequenta os sacramentos após contrair nova relação conjugal. As evangélicas ainda insistem no moralismo individual, sem olho crítico para o caráter antiético das estruturas sociais e a natureza desumana do capitalismo.
Onde a voz autorizada? O Estado certamente não é, já que pauta suas decisões de acordo com o jogo do poder e o faturamento eleitoral. Hoje ele condena o desmatamento da Amazônia, os transgênicos, o trabalho escravo, e amanhã aprova seja lá o que for para não perder apoio político.
O enunciador coletivo, o Grande Sujeito, existe: é o Mercado. Ele corrompe crianças, no modo de induzi-las ao consumismo precoce; corrompe jovens, no modo de seduzi-los a priorizar como valores a fama, a fortuna e a estética individual; corrompe famílias através da hipnose televisiva que expõe nos lares o entretenimento pornográfico. E para proteger seus interesses, o Mercado reage violentamente quando se pretende  impor-lhe limites. Furioso, grita que é censura, é terrorismo, é estatização, é sabotagem!
As futuras gerações haverão de conhecer a barbárie ou a civilização? A neurose da competitividade ou a ética da solidariedade? A globocolonização ou a globalização do respeito e da promoção dos direitos humanos – a dimensão social do amor? Pais, professores, psicólogos, e todos que se interessam pela juventude, estão desafiados a dar resposta positiva a tais questões."

  www.freibetto.org - Twitter:@freibetto

domingo, 6 de fevereiro de 2011

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Se eu fechar os olhos agora: além do romance de formação


Sempre que se coloca em primeiro plano personagens adolescentes, não demora muito para alguém expor o termo “romance de formação” como característica central da obra. Não acredito que seja o caso de Se eu fechar os olhos agora, de Edney Silvestre.
O romance aborda as investigações de dois amigos, Paulo e Eduardo, e um senhor idoso, Ubiratan - o comunista torturado na Era Vargas -, na tentativa de desvendar os reais motivos do assassinato brutal de uma bela mulher, Anita. Logo as suspeita de que há algo não esclarecido na versão oficial desta morte vão gerando um mosaico de eventos ligados às relações de poder dos antigos coronéis, donos de redutos populacionais; às violências arbitrárias destes poderosos e às formas como aquela sociedade dos anos 50 se mostrava propensa aos discursos oficiosos.

E porque não seria um romance de formação? O palpite é de que os garotos não conseguem compreender ou não têm acesso à trama total do assassinato. Eles são importantes na captação de provas e na orientação de possibilidades de questionamentos, mas os eventos da trama não determinam o caráter dos mesmos, nem os modificam. São personagens prontos na história, não exigindo a tão conhecida “passagem para a maioridade”. Até mesmo quando o romance avança no tempo cinquenta anos depois, evidencia que Paulo e Eduardo não conseguem compreender bem o que ocorreu à mulher. É o personagem Ubiratan quem tem acesso às principais informações sobre o desvendamento do caso, nunca compartilhadas com os meninos. Paulo e Eduardo se perguntam e sempre se perguntarão sobre o que, de fato, ocorreu à mulher morta.

Chama atenção estilisticamente no romance os diálogos, ora autoritários, ora desrespeitosos. Os meninos não conseguem extrair informações de Ubiratan, pois nunca são levados à sério por este. Ubiratan, por sua vez, não consegue dialogar com as pessoas, pois na condição de velho, não é ouvido pelos donos do poder ou pelas pessoas comuns. Mesmo assim, os diálogos acontecem e justamente por isso, apresentam uma forma curiosa.


SE EU FECHAR OS OLHOS AGORA
Edney Silvestre
Editora Record, R$ 34,90
Vencedor Jabuti 2010

Leia aqui primeiro trecho de Se eu fechar os olhos agora

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Winehouse no Brasil




Amy Winehouse retorna aos palcos, depois de dois anos no molho da própria ambição por decadência!!! Dessa vez o verbo é "emergir";  o oposto aos verbos que a levaram a ser o ídolo junkie do século XXI, cá pra nós, musicalmente insípido! Então surge Amy e suas contradições de sabores!

Talvez por opor-se ao desejo mórbido que despertara em seus ouvintes, desejo que, convenhamos, todos nós guardamos em menor ou  maior medida,  Miss Amy, em  sua passada pelo Brasil, decepcionou tanta gente. O confessional repertório de  4 anos  explicita um caminho por autoconhecimento, das próprias possibilidades e limites.  Mas esse autoconhecimento transformou-se em ato destrutivo. Hoje, superado o momento, as confissões de "Back to Black" já não soam rasgadas das entranhas como em Glastonbury (2008), momento em que ela esperava pela liberdade  do seu "fella" (a história de Blake todos já conhecem).

Fui ao show em Recife. Todo mundo esperando, num tesão maior do mundo, pela Amy decadente. Eis que surge ela de amarelo, simbolicamente, renegando a escuridão que anunciava o seu premiado álbum. Cantando corretamente, ao seu modo, recriando as melodias na medida de sua paixão. Mesmo sem aqueles arroubos de 2008,  o vozeirão, em boa forma,  não deixou de ser soul.  Só que "Back to Black", para Amy, parece não dizer mais respeito a atual faceta de sua alma. Para a decepção de alguns, Wino é mais emocional do que profissional. Mas ela "cumpriu com a tabela" direitinho, com "covers" interpretados lindamente. E foi profissional sim, mas sem qualquer protocolo ou decoro!! Se ela vai ser cantora de um só álbum, não se sabe. Talvez precise de um revés emocional. Pelo menos ela já saiu da inércia pós-Blake. Para os que aguardam as próximas confissões de Amy, é só esperar pelo 3º álbum.

Quanto ao show...para muitos, a música era o de menos. O que importava era o coça-coça no nariz, o líquido ocultado na pureza de uma xícara branca, o nível etílico da diva. Uma plateia imersa na especulação. Como se diz, o mundo é uma representação de nossa própria vontade. E muitos viram o que queriam.  Amy, sóbria, sacou o que a plateia queria. Constatada a apatia do público que, sequer, aplaudira a banda, Miss Wino fez gracinha com um rodopio de bailarina e, então, foi ao chão. Aplausos a mil!!!Para aqueles que esperavam a queda, esses foram satisfeitos. Mas Amy só despencou na ribalta, porque essa é sua cena, e dessa vez, estava no script.  Decepção para os sequiosos por uma diva arruinada e  inconsciente!

Por ora,  a queda de Amy é um cambret deliberado!
Pelo menos, é isso o que dita minha vontade.

Ass. Leyla

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"Você vai conhecer o homem dos seus sonhos" não terminou


Anualmente os filmes de Woody Allen são muito esperados. Atores e atrizes esperam serem chamados para o elenco e fãs esperam os novos enredos da fase, digamos, mais cult do diretor. Você vai conhecer o homem dos seus sonhos, que entra em cartaz em João Pessoa nesta sexta-feira, na estreia do Cinespaço localizado no Mag Shopping, fecha a década dos filmes de Allen em tom ameno.  Comparado a Melinda e Melinda, Match Point e Vicky Cristina Barcelona, o filme não possue o encatamento dos intrigas nem a complexidade dos personagens deste três anteriores.

O filme retrata a vida de um casal, ele escritor e ela curadora, que vivência uma crise econômica e afetiva. Logo se percebe que esta crise se espande a todos os personagens que envolvem o casal. Parentes, colegas de trabalho e vizinhos também se encontram em situação de desarmonia amorosa. O tom de fisolofia irônica e as crises existênciais, como sabemos, não poderiam faltar. Além disso, os principais personagens do "Você vai conhecer o homem dos seus sonhos" regem suas vidas em nome da arte. Estão la o escritor em dificuldades criativas, a musicóloga doutoranda, a curadora competente, a pintora talentosa, o velho que gosta de ópera no teatro. estes traços garantem o sucesso de Allen de público e crítica.

Porém, o curioso é que por mais intricado, complexo e pessimista que seus filmes ossam ser, sempre havia em Woody Allen a esperança do final de destino otimista para a vida. Que tudo pode dar certo, apesar dos pesares. Só que o final cômico ou de happy ending singelo, estilo registrado do diretor, foi abandonado neste último filme, o que nos dá a sensação de que os personagens ainda deviam econtrar a harmonia da vida. Para os que estão acostumados com Allen, a sensação é de que o enredo ainda não acabou. Ainda falta o desfecho satisfatório, mesmo que a intensão seja de mostrar a volubilidadee incertezas da vida, sentimos falta da esperança.

VOCÊ VAI CONHECER O HOMEM DOS SEUS SONHOS
(You will meet a tall dark stranger, EUA/Espanha, 2010)
Dir. Woody Allen
Estreia: 14/01/2010



terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Além da vida trata mais da vida que do além

Há muitos filmes que abordam a espiritualidade pós-vida. Os de caráter praticamente didático e moralizante, como os últimos brasileiros Nosso Lar e Chico Xavier, ou os de desconstrucionismos epifânicos, como em Sexto Sentido e Os outros. Hereafter, em cartaz nos cinemas da cidade, de Clint Eastwood, não se encaixa em nenhuma das pontas, embora em determinados momentos tente.

O filme se desenvolve em três narrativas paralelas: o vidente médium que realiza a conexão com os mortos, a repórter que vivência uma experiência de trascendência da alma e o garoto que perdeu o irmão gêmeo e busca compreender um sentido para a morte. Evidentemente, as narrativas estão aptas ao encaixe.

Das qualidades, talvez o ponto forte do filme seja justamente a luta dos personagens convictos contra a descrença, mais do que a relação com os mortos, mais do que a verdade deixada pelo filme mais do que as cenas fantásticas do tusnami. E a descrença vem de todos os lados: do exterior para a jornalista, do interior do garoto e da não aceitação do vidente, interpretado por Matt Damon.É um filme de nome Além da vida que tem seu foco na vida.

Mas o filme deixa muito a desejar enquanto narrativa. Em alguns momentos ela é tão lenta que se torna enfadonha - como no caso da crise existêncial do garoto -, não gera expectativa de um núcleo para outro e o desfecho é, como disse, um encontro muito óbvio. No contexto da obra de Eastwood, está em um patamar secundário.

ALÉM DA VIDA
(Hereafter, 2010, EUA)
Dir. Clint Eastwood
Estreou: 07/01/2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Quando a política ofuscou a arte

Pode não ter sido o melhor romance do ano de 2010, de acordo com o Prêmio Jabuti, mas Leite Derramado, de Chico Buarque, com certeza foi o mais polêmco. Tudo porque o autor recebeu o prêmio de escritor do ano e seu romance ter ficado em segundo lugar na lista dos melhores do ano, atrás do romance de Edney Silvestre, Se eu fechar meus olhos agora.

De fato é um pouco absurdo dar status de Oscar a um prêmio literário. Explico: no cinema, evidentemente, devido sua condição de produção técnica coletiva, pode se dar o direito de premiar um filme como melhor e seu diretor não ser também premiado em sua categoria. Já o romance, de solitário constructo, seria possível? O fato é que é óbvia a decisão por uma questão de política literária.

Mas quanto ao romance propriamente, ele é acima da média e bem poderia ser o melhor romance do ano, caso outro escritor não tivesse alcançado mérito similar. A história de um enfermo de idade centenária Eulálio Assumpção - que narra seu passado sob condiçoes de dor, desvario, lapsos de rememoração, amésia e perda de linha de raciocínio - é desenvolvida de tal maneira que perpassa, com tom melancólico e decadentista, vários sujeitos representantes de diversos momentos da história do país, desde o político conservador ao leleco carioca do Rio Contemporâneo. A condição de Eulálio permite ao leitor compreender as mudanças súbitas de um assunto à outro sem se preocupar com a coesão cronológica dos fatos. O próprio narrado desvenda em uma outra passagem a consciência de sua condição e o quanto isso interfere na narrativa: É esquisito ter lembranças de coisas que ainda não aconteceram, acabo de me lembrar que Matilde vai sumir para sempre.

Nesta perspectiva, estilisticamente, Chico utiliza, como nos seus outros romances, do recurso de progressão de uma hipotética ação através do tempo no futuro do pretérito: Minha pequena filha cresceria cercada do bom e do melhor, e mais bonança teria minha mulher, se algum dia voltasse para casa. A ação fica apenas na memória, como um atiçar da imaginação, mas que dentro da materialidade do romance, se torna movimento. E isso dá riqueza à complexidade narrativa de Leite Derramado. Infelizmente, um ótimo romance pode ficar marcado e lembrado por uma polêmica extra-literária.

LEITE DERRAMADO
Chico Buarque
R$ 31,20
Vencedor do 8º Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2010.
2º Lugar no prêmio de melhor romance do Jabuti 2010.

Leia o primeiro capítulo de Leite Derramado